Com ar documental, ‘Fátima’ expõe preconceitos sofridos por mulheres islâmicas na Europa
Longa venceu César de melhor filme, roteiro adaptado e atriz promissora em 2016
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
Grande vencedor do César em 2016 (maior premiação do cinema francês), ‘Fátima’ é a adaptação das duas autobiografias escritas pela marroquina Fatima Elayoubi: ‘Prière à La Lune’ (2005) e ‘Enfin, Je Peux Marcher Seule: Récit’ (2011), ainda inéditas no Brasil.
Interpretada pela argelina Soria Zeroual, a personagem-título é uma faxineira árabe radicada na França. Divorciada, vive no subúrbio de Lyon com as duas filhas. Souad (Kenza Noah Aïche) tem 15 anos, personalidade forte, e não aceita a árdua jornada que sua mãe exerce para sustentá-las. Mais madura e serena, Nesrine (Zita Hanrot, premiada como atriz mais promissora no César) tem 18 anos e estuda para ingressar na faculdade de medicina com a mesma intensidade que a mãe dedica ao trabalho.
O diretor e roteirista marroquino Philippe Faucon (‘Samia’, 2000) assume o ar documental do filme desde o início. Na verdade, já na escolha da atriz protagonista. Zeroual é profissional da limpeza também na vida real e nunca havia interpretado profissionalmente até então. Assim como a verdadeira Fatima, é igualmente imigrante de origem árabe e muçulmana.
O estilo neutro de fotografia e a ausência de trilha musical, presente apenas nos créditos de início e fim, reforçam a postura realista da trama, o que confere especial veracidade ao notarmos os preconceitos que Fatima e sua família sofrem. A princípio, são discriminadas por serem muçulmanas. Em seguida, a própria comunidade islâmica em que vivem rejeitam Soaud e Nesrine por seus hábitos “europeus” de vida - elas sequer usam o véu islâmico (hijab).
(Foto: divulgação)
Por fim, percebemos a indiferença e o desconforto dos patrões de Fatima ao saberem que Nesrine pretende cursar medicina, numa cena que nos remete diretamente a ‘Que Horas Ela Volta?’ (2015). Tal qual no filme de Anna Muylaert, o filho da patroa também prestará vestibular em breve. Assim como Jéssica na produção brasileira, Nesrine é francamente desencorajada a sonhar com o curso que escolheu, em um pretensioso gesto de clemência por parte daqueles que empregam sua mãe. Coincidência interessante, visto que os dois filmes foram produzidos e lançados no mesmo período.
Apesar da curta duração (característica do obra de Faucon), há tempo ainda, para Fatima enfrentar a burocracia do sistema previdenciário ao ser obrigada a se afastar do trabalho por questões médicas - saímos de ‘Que Horas Ela Volta?’ para resvalar, de leve, no ainda mais recente ‘Eu, Daniel Blake’ (2016). Durante o tempo de recuperação, ela aproveita para continuar a escrever em seu diário, gesto que já vínhamos acompanhando de quando em quando ao longo das cenas.
É então que o filme leva seu grande tombo. É claro que se tratava de uma decisão difícil, mas ao escolher reproduzir na íntegra o longo trecho do livro original, dando plena voz à Fatima, o roteiro rompe toda a construção de ideias e valores na qual o espectador vinha se empenhando até então, o que constitui, afinal, das mais belas características do cinema: a interação não só emocional, mas especialmente racional e psicológica entre o que está sendo apresentado em tela e aquilo que a audiência reconstrói em seu raciocínio.
É como se, de uma hora para outra, nos dissessem: “agora vamos deixar bem claro sobre o que estamos falando aqui”, parecendo agir com a mesma piedade descabida com que os patrões de Fatima trataram Nesrine. Não é suficiente para tirar todo o mérito do filme, mas o fato derruba sua própria ideia ao menosprezar de maneira tão explícita a inteligência do público, o que quase o rebaixa a um patamar de mediocridade semelhante ao que temos visto em produções lançadas a todo momento.
Veja o trailer:
Fátima (Fatima) - França/Canadá, 79 min, 2015.
Em cartaz desde 16/3.
Crítica | Por Thiago Mendes
thiagomendes@portaltelenoticias.com
(Foto: divulgação)
A própria comunidade islâmica em que vivem rejeitam Soaud e Nesrine por seus hábitos “europeus” de vida - elas sequer usam o véu islâmico |
Interpretada pela argelina Soria Zeroual, a personagem-título é uma faxineira árabe radicada na França. Divorciada, vive no subúrbio de Lyon com as duas filhas. Souad (Kenza Noah Aïche) tem 15 anos, personalidade forte, e não aceita a árdua jornada que sua mãe exerce para sustentá-las. Mais madura e serena, Nesrine (Zita Hanrot, premiada como atriz mais promissora no César) tem 18 anos e estuda para ingressar na faculdade de medicina com a mesma intensidade que a mãe dedica ao trabalho.
O diretor e roteirista marroquino Philippe Faucon (‘Samia’, 2000) assume o ar documental do filme desde o início. Na verdade, já na escolha da atriz protagonista. Zeroual é profissional da limpeza também na vida real e nunca havia interpretado profissionalmente até então. Assim como a verdadeira Fatima, é igualmente imigrante de origem árabe e muçulmana.
O estilo neutro de fotografia e a ausência de trilha musical, presente apenas nos créditos de início e fim, reforçam a postura realista da trama, o que confere especial veracidade ao notarmos os preconceitos que Fatima e sua família sofrem. A princípio, são discriminadas por serem muçulmanas. Em seguida, a própria comunidade islâmica em que vivem rejeitam Soaud e Nesrine por seus hábitos “europeus” de vida - elas sequer usam o véu islâmico (hijab).
(Foto: divulgação)
Interpretada pela argelina Soria Zeroual, a personagem-título é uma faxineira árabe radicada na França |
Apesar da curta duração (característica do obra de Faucon), há tempo ainda, para Fatima enfrentar a burocracia do sistema previdenciário ao ser obrigada a se afastar do trabalho por questões médicas - saímos de ‘Que Horas Ela Volta?’ para resvalar, de leve, no ainda mais recente ‘Eu, Daniel Blake’ (2016). Durante o tempo de recuperação, ela aproveita para continuar a escrever em seu diário, gesto que já vínhamos acompanhando de quando em quando ao longo das cenas.
É então que o filme leva seu grande tombo. É claro que se tratava de uma decisão difícil, mas ao escolher reproduzir na íntegra o longo trecho do livro original, dando plena voz à Fatima, o roteiro rompe toda a construção de ideias e valores na qual o espectador vinha se empenhando até então, o que constitui, afinal, das mais belas características do cinema: a interação não só emocional, mas especialmente racional e psicológica entre o que está sendo apresentado em tela e aquilo que a audiência reconstrói em seu raciocínio.
É como se, de uma hora para outra, nos dissessem: “agora vamos deixar bem claro sobre o que estamos falando aqui”, parecendo agir com a mesma piedade descabida com que os patrões de Fatima trataram Nesrine. Não é suficiente para tirar todo o mérito do filme, mas o fato derruba sua própria ideia ao menosprezar de maneira tão explícita a inteligência do público, o que quase o rebaixa a um patamar de mediocridade semelhante ao que temos visto em produções lançadas a todo momento.
Veja o trailer:
Fátima (Fatima) - França/Canadá, 79 min, 2015.
Em cartaz desde 16/3.
As opiniões expressas nessa coluna são de inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do Portal Telenotícias.
Com ar documental, ‘Fátima’ expõe preconceitos sofridos por mulheres islâmicas na Europa
Reviewed by Redação
on
3/17/2017 12:26:00 PM
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