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Pare e Pense: Mendigo de luxo

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Crônica │ Por Danilo Quintal

(Foto: Getty Images)
O sol já dar o ar da graça na poluída e apressada cidade de São Paulo. Metrô e ônibus completamente lotados são mais um empecilho para um “bom dia”. Esse mau humor que rodeia a metrópole paulista apenas aumenta a falta de educação do povo nos transportes coletivos. Em meio a essa "selva moderninha”, o garoto desembarca na Avenida Paulista. Olhos atentos no horário e com uma imensurável vontade de fumar um cigarro.

Ao primeiro trago, um alívio. O segundo, de olhos fechados, é quase interrompido por um:
- Guri, bom dia! – com exclamação mesmo!

No principio, o susto e um olhar mal humorado paulistano, pois a figura que o contempla com a saudação é um morador de rua. Em seguida, passa um milhão de preconceitos à cabeça. E, assim, balbucia:
- Porra, lá vem! É o quê?

O rapaz sorri divinamente. O menino fica, literalmente, com cara de interrogação e o rapaz que, até segundos atrás parecia estar sujo e com odor, agora parece ser infinitamente mais limpo, cheiroso e com um sorriso hipnótico. Simpático e humano, o morador de rua permite ao menino a segunda chance:

- Guri, vamos começar de novo, perfeito?
- Certo, Responde o garoto totalmente sem graça, emendando um:
- Bom dia, meu caro!

Com o sorriso divino  ainda cravado no rosto, o rapaz recomeça a conversa:
- Agora sim, bom dia! Bom dia mesmo, por que não haveria de ser um bom dia?

O menino fica alguns segundos em silêncio e, ao mesmo tempo, parece passar horas de reflexões no seu pensamento. Como pode ser tão positivo um ser que tem uma vida negativa? Como pode sorrir completamente divino e puro se a vida lhe proporciona motivos para chorar? Como pode ser?
E quase no limite da indignação, acende outro cigarro e surge o pedido:
- Garoto, você poderia me arrumar um desses votos cancerígenos?

O menino sabia que em algum momento – preconceituoso ou não –  que o rapaz faria um pedido. Mas como negar algo a quem com um sorriso lhe deu o dia?

Durante aqueles vinte e poucos tragos, o menino aprendeu mais do que nos seus vinte e poucos anos.
- Desculpe a indelicadeza, mas como sorrir e esbanjar alegria tendo uma vida miserável?
- Simples, meu caro, tem dias que tento ser educado, mas com fome o mau humor aumenta. Hoje, eu comi e há alguns dias não fazia isso. O meu bom humor e minha educação encontraram você! Risos e satisfação que proporcionam lágrimas nos olhos do garoto.

- Poxa, quer comer algo ou sei lá?
- Não, agora estou satisfeito, a comida estraga nesse sol forte, queria mesmo um cigarro e alguns minutos de companhia.

- A solidão deve ser terrível para você.
- Sim, sinto falta dessa relação com as pessoas no dia a dia. Todos me olham torto, sabe? É algo muito ruim. O preconceito predomina nas ruas. Mas já tive família e amigos, hoje, família eu não tenho, me lamento por isso. Agora, os amigos que tenho são mais sinceros, porque nós não temos nada.

Após o desabafo, o morador de rua solta uma gargalhada quase infernal aos ouvidos do menino.
O silêncio perseguiu por alguns instantes os dois indivíduos, sentados na escada na fachada de uma loja. De repente, sem nenhum motivo e com uma sinceridade tremenda, o menino, descarado, fala ao rapaz:
- Você só pode ser maluco, mas admiro e fico fascinado pela sua educação, pelo seu sorriso e pela sua alegria. E me emociona tudo isso por, simplesmente, ter comido.

- Meu garoto, a vida é muito mais que comer ou não. Ter ou não ter. A questão é que, todos os dias, uma menina linda passa e olho para ela.  Eu queria ser pai dessa menina, mas ela nunca me olhou, nunca respondeu meu 'bom dia'. Hoje, eu distraído, ela passou e me falou: - “Bom dia, o senhor gostaria desse café?’ Acabei comprando errado”. Talvez, foi por dó, mas veio de quem sempre tratei bem.

Quase sem palavras e já muito atrasado, o menino olha para o céu, abaixa a cabeça, apaga o cigarro e diz:
- Preciso ir.  Apesar de tudo, o senhor é maluco, mas genial!

- Maluco que nada, moro na Av. Paulista e você? Risos e silêncio, pois, ironicamente, o morador de rua compara o lugar onde os dois moram.  O menino andando e pensando muito em tudo que foi falado e no que não foi dito, escuta um chamado.

- Psiu.
 Olha, lentamente, para trás.
- Moro na Paulista, sou mendigo de luxo! Oh, maluco!

Pare e Pense: Mendigo de luxo Pare e Pense: Mendigo de luxo Reviewed by Redação on 3/06/2012 02:36:00 PM Rating: 5

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