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Reportagem Especial: A face da morte

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Histórias de quem morreu, viu o que existe do outro lado e voltou à vida

Por Anderson Sousa e Danilo Quintal

(Imagem: papeisdeparedes.com.br)
O chamado da morte - representado pela caveira de capuz
O que acontece após a morte é um dos mistérios que a humanidade tenta desvendar há séculos. Sem grandes resultados nesse campo, existe um grupo que talvez possa ser a chave que faltava: “os ressuscitados”, pessoas que estiveram clinicamente mortas, voltaram à vida e passaram pelo chamado EQM - Estado de Quase Morte. Diferente da imagem de caveiras assustadoras com foice a tiracolo, na luz no fim do túnel, a vida é recapitulada como um filme, sensação de paz e até encontro com pessoas que, de fato, estão mortas, integram esse tipo de fenômeno. A maioria, ao passar por uma experiência de EQM, relata que tiveram sensações boas, de paz, conforto e tranquilidade. Uma dessas pessoas que conheceu a face da morte é Marta Pereira, teóloga, 47 anos.
“É algo inexplicável. Lá eu não tinha medo, dor, não me sentia mal, só uma sensação muito prazerosa. Nunca mais experimentei a mesma sensação”, relembra. Cansada de passar a adolescência em lutas contra os abusos sexuais de um irmão e a passividade de uma mãe omissa, aos 18 anos resolveu tentar o suicídio. Enquanto esteve a caminho do mundo dos mortos, viu o tal túnel e sua convidativa e radiante luz no final, além de um ser, também iluminado, com as mãos estendidas à sua espera.

 Com um sentimento de paz que jamais sentira, não pestanejou em seguir na direção da luz. Mas uma coisa a fazia hesitar na caminhada: a voz da mãe que gritava e chamava desesperadamente por seu nome. Decidida a continuar, sentia a voz materna se afastar aos poucos, até que chegou ao limiar do túnel. Marta parou e se encantou. De repente, sentiu uma mão tocar seu braço, a voz da mãe voltou e ficou cada vez mais forte. Ela acabou perdendo o controle das forças e, como que atraída por um tipo de imã, voltou como em marcha ré para o corpo que tinha “abandonado”. Despertou de volta na sala de sua casa. A primeira parte do corpo que sentiu foi à cabeça, talvez por ser onde a mãe segurava e tapeava numa tentativa de despertar a filha. Marta sentiu que a experiência foi algo espiritual e não se importa com os que não acreditam no que viveu.

Após a experiência, Marta mudou, diz ouvir uma voz que lhe avisa sobre coisas boas ou más envolvendo pessoas próximas e resolveu escrever um livro através do que a voz lhe dita. Para ela, a voz é de um anjo que a protege. Espiritual ou psicológica, tudo o que viveu fez dela uma mulher mais forte. Além de ficar mais corajosa e destemida, a ponto de “pôr para correr” o irmão que a assediava, aprendeu a encarar de outro jeito o que tanto amedronta a humanidade: “Se morrer é isso meu amigo, não há o que temer. Morte é vida e vida é paz”, diz.

As crenças religiosas e a fé estão sempre presentes em situações de EQM. Lourdes de Almeida, 58 anos, advogada aposentada entrou em coma em 1988. Com um rim já debilitado, viveu um drama ao descobrir uma nefrite (inflamação dos rins) no outro. Os médicos disseram que teria que retirá-lo. A advogada escutava tudo o que acontecia ao seu redor, mesmo em coma. “Primeiro eu escutava tudo, e depois podia me ver deitada na cama, como se minha visão estivesse no teto”, relata com empolgação.

Os dias, as horas, nada fazia sentido, nem tinha importância. Ela dividia o tempo entre rezar um mantra budista e escutar os médicos. Mentalizava constantemente, se recuperava para cuidar dos filhos e continuar com budismo. A fé e as seguidas orações a transportaram para um lugar que nunca havia estado e nem visto. “Era um lugar lindo e tinha várias pessoas rezando”, declara, com um sorriso no rosto. Esse tipo de acontecimento é chamado de viagem astral ou experiência fora do corpo e estudos dizem que é o elo entre o corpo físico e o espiritual.

Representação da famosa “luz no fim do túnel” - relatada
por indivíduos que tiveram experiências de E.Q.M
Após 22 dias internada, dez só em coma, Lourdes acordou de repente, enquanto os médicos planejavam retirar a pedra que causou a hemorragia e inflamação que a levou ao coma. “Parece que cai do teto e, quando acordei, estava no meu corpo”, lembra, com espanto. A recuperação caminhou normalmente e meses depois um senhor japonês segurava uma foto. Ao olhar, Lourdes não teve duvidas, era o lugar em que esteve. O senhor explicou que era Sho-hondo, um lugar sagrado para os budistas, onde está guardado o pergaminho no qual Buda deixou uma mensagem. Para ela, a fé a levou para Sho-hondo e as orações a ajudaram na recuperação. “Certeza que através da oração é que retomei e voltei à vida” afirma com convicção.

Albertina de Almeida, mãe de Lourdes, também enfrentou uma saga na vida. Por três vezes entrou em estado de coma, a segunda vez se restringiu apenas a delírios e pernas dormentes. O primeiro ocorreu em 1954, quando trabalhava num banco. Por complicações em uma cirurgia no coração entrou em choque. Febre de 40 graus e hemorragia interna a levaram ao estado de coma. Ela relata a experiência como algo positivo e afirma ter visto a coisa mais bonita da vida: “Um céu bem preto com estrelas miúdas e brilhantes. Conforme me aproximava, elas desapareciam.” Após doações de sangue, o quadro evoluiu. Albertina voltou à consciência no Natal do mesmo ano. Após 47 anos, a já aposentada auxiliar de enfermagem voltou a enfrentar outro problema: o diabetes a levou ao um enfarto. Por três anos e meio, sua rotina ficou demarcada por idas e vindas ao hospital. Numa dessas idas, a diabete registrou 470 dl/MG, o que a levou ao coma novamente. Durante 20 dias, apenas escutava o barulho das máquinas do coração e dos aparelhos respiratórios. “Quando acordei, já estava sem aparelho nenhum e não sabia quanto tempo tinha passado, não enxerguei nada, só ouvia tudo”, exalta a aposentada.

Poucas horas depois que havia acordado, um enfermeiro foi limpá-la com panos úmidos, mas a pedido da própria Albertina, o rapaz providenciou um banho de chuveiro. “Só me lembro do chuveiro e a água caindo fazendo barulho: “chuá chuá!” E, de repente, não vi mais nada”, conta. Novamente em coma às 7h da manhã, retorna a acordar às 19h do mesmo dia. Albertina começou a recuperar sua saúde, e quando questionada sobre as vezes que ficou inconsciente, declara com alegria: “Quem inventou essas coisas eu não sei, mais é muito bom”, afirma sobre o estado de quase morte. Suas experiências lhe passaram sensações de paz, sempre como refúgio de uma dor. “Para quem estava com uma dor que se desmanchava em suor, o coma me fez não sentir nada, só tranquilidade”, conclui.

Segundo a psicóloga Maria da Penha, os relatos de quase morte não tem comprovação, porque não há como diferenciar o que é experiência e o que é reprodução da mente. Às vezes, não é sonho ou alucinação: pode ser uma criação no instante em que a pessoa volta a si como maneira de racionalizar a vida. Os sintomas partem muitas vezes das crenças, mas até mesmo os que não são influenciados pela religião têm as mesmas sensações pela mistificação sobre o tema, por isso são muito parecidas. “Não quer dizer que as pessoas não viram o que relataram, mas tudo aconteceu num estado alucinógeno, e não como experiência efetiva”, diz Maria da Penha.

Ainda na explicação da psicóloga, no caso de Marta, pode ter ocorrido algo semelhante a um sonho ou alucinação. A tentativa de suicídio seria uma forma de chamar a atenção que, ao ouvir o chamado da mãe se realiza. Quanto à voz, é preciso um estudo mais aprofundado porque sugere um quadro quase psicótico. No caso de Lourdes, a explicação da viagem vem da corrente psicológica de Jung e o chamado Inconsciente Coletivo, herança de imagens ancestrais que se materializam através de experiências reais, no caso a alucinação. As experiências de Albertina correspondem ao fato de que pessoas em coma têm percepção do que as cercam, mas, muitas vezes, as experiências se assemelham ao estado de febre alta, quando a pessoa também delira.

As pesquisas científicas nesse campo ainda são escassas, porém, algumas delas sugerem que as EQMs são frutos de estímulos cerebrais. O neurologista suíço Olaf Blanke, ao mapear o cérebro de uma paciente para tratamento de epilepsia, descobriu que quando estimulava eletricamente o giro angular (parte do lobo pariental inferior e responsável por enviar imagens à área de inteligência cognitiva), a mulher tinha a sensação de ver o próprio corpo do alto, um dos sintomas das experiências de quase morte. Toda vez que havia o estímulo no giro angular, a mulher tinha a mesma visão. Ainda que sejam embrionários, os estudos científicos têm ajudado a desmistificar alguns pontos.

O que existe após a morte tem movido a curiosidade dos homens desde o princípio dos tempos. O medo do inferno, a esperança do paraíso e até o simples estado de putrefação faz o que há do outro lado da vida um enorme e obscuro mistério. Transcendência espiritual ou mera reprodução mental, essas experiências se não servem ainda de provas para o que há no sono eterno, ao menos entretêm os céticos e sacia aqueles que temem o desconhecido.

A morte e as religiões

Cada religião tem seu modo de enxergar a morte e o que acontece depois dela.

No Cristianismo, há a ideia da alma julgada por Deus. As boas vão para o Céu, e as más para o Inferno. Já aquelas que apesar dos pecados se redimiram na hora da morte, têm como destino o purgatório para se purificarem. Todos à espera da volta de Jesus e do Juízo Final, para então, viverem eternamente o que o Todo Poderoso decidir.

Para o Islamismo, a concepção é semelhante, exceto pela inexistência do purgatório e uma visão própria de Céu e Inferno.

No Judaísmo, a morte é encarada como parte da Criação, algo complementar à vida, o começo de outra fase.

No Espiritismo, a morte é apenas uma passagem da alma do mundo material para o espiritual, onde continua viva. Os bons evoluem mais rápido e os maus reencarnam várias vezes até se aperfeiçoarem.

O Budismo, apesar de ser mais filosofia de vida do que religião, também tem sua versão sobre o pós-morte, e nele está a noção de carma. O modo como o espírito reencarna depende de como foi a conduta na vida passada, tanto pode ser como homem ou animal. Há seis mundos diferentes em que pode voltar: celestiais, humanos, infernais, animais, de espíritos guerreiros e de espíritos insaciáveis.

No Candomblé, as almas que cumpriram seu destino vão para Òrun, lugar onde ficam os seres eternos, as que não realizaram permanecem vagando entre o Céu e a Terra até reencarnar e ter outra chance.

Para o Hinduísmo, há também a ideia de reencarnação. Todos estão presos num círculo chamado Roda de Samsara. Morte e renascimento se alternam até que se atinja o estado de Nirvana (iluminação plena) e aí se chegue ao mundo da eternidade.

Na Umbanda a morte é parte de um processo de harmonia e evolução espiritual para outra dimensão, em que aprenderá a lidar com as experiências e sentimentos tidos em vida, algo como o dito popular “o que se leva dessa vida é a vida que se leva”.

E por fim, há o niilismo, corrente filosófica da descrença absoluta em que, após a morte, o ser deixa de existir e o que sobra é apenas a decomposição dos corpos.
Reportagem Especial: A face da morte Reportagem Especial: A face da morte Reviewed by Diego Martins on 12/06/2010 06:09:00 PM Rating: 5

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